Entre a ficção e a realidade

Meu Marcello, dirigido por Christophe Honoré

My Marcello, França/Itália, dirigido por Christophe Honoré, estrelado por Chiara Mastroianni, Catherine Deneuve, Fabrice Luchini

Na programação fora de competição da 32ª edição do IFF “Love is Madness” de Varna, o público viu pela primeira vez o filme “My Marcello” de Christophe Honoré, que esteve entre os candidatos este ano para A Palma Dourada em Cannes. Christophe Honoré gosta de brincar com a escala – encena obras de ópera, trabalha no palco do teatro, mas o cinema continua a ser um território reservado à sua paixão por combinar o íntimo com o musical, transformando-os numa nova realidade à beira da experimentação. Em “My Marcello” trabalhou pela sétima vez com a filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve. São amigas há 18 anos e Chiara deve os seus mais prestigiados prémios de cinema à oportunidade de construir junto com Honore imagens de mulheres que caminham em direção a si mesmas, percebendo que a sua força reside precisamente na fragilidade, na dúvida e na superação de crises de identidade.

Aos 52 anos, Chiara Mastroianni mostra temperamento e organicidade excepcionais, reencarnando no pai. O enredo do filme nos apresenta ao mundo dos acontecimentos e personagens reais, aqui cada um interpreta a si mesmo, mas o mais interessante é que as histórias ficam no limite entre a realidade e a fantasia. A atriz Chiara Mastroianni foi escalada pela diretora Nicole Garcia e fez parceria com o ator francês Fabrice Luchini. Insatisfeita com a observação do diretor de que ela colocou mais emoção e drama no estilo de Deneuve em vez da leveza de Marcello, Chiara decide ser Marcello.

“Meu Marcelo”

Katherine se maravilha com a transformação de Chiara, escondendo o cabelo com uma peruca e uma bomba, vestida com um terno preto, ela lembra Marcello dos dias de glória de Oito e Meio. O ator Melville Pupo, cuja biografia está ligada à família Mastroianni por uma antiga amizade familiar, critica duramente Chiara, e Fabrice Luchini aceita sua nova natureza com a curiosidade de uma criança que sempre admirou o talento monstruoso de Marcello.

Os fantasmas do passado, e neste caso o fantasma do pai, são tema presente na peça de Honoré Ciel de Nantes (“O Céu de Nantes”), em que interpreta Chiara. Ela ajuda Honoré a desenvolver o roteiro de Meu Marcello – assim como ela, Honoré perdeu o pai cedo. Na peça, assim como no filme, os personagens tentam se refazer, pois a perda de um ente querido sempre nos atrai para o tema do sentido da vida. Durante os ensaios, Christophe incentiva Chiara e Catherine a recriar e representar diversas situações do passado, quando Marcello estava ao seu lado. É assim que temos os episódios maravilhosos no antigo apartamento de Catherine Deneuve, as histórias sobre o amor de Marcello pelos cães – a presença de atores caninos no filme é um indicativo das vicissitudes do novo Marcello. Meu Marcello não é uma cinebiografia, mas um conto de fantasia lindamente filmado sobre a escolha de nos encontrar, em que Chiara é um híbrido enigmático entre menino e homem, cujo italiano com sotaque francês traz um toque de diversão ao drama do personagem.

Chiara como Marcello assombra a tela, através de sua atuação descobrimos a audácia com que os clichês de Marcello Mastroianni são quebrados. Cada quadro de “Meu Marcello” é significativo, pois através de Chiara o espectador vivencia e constrói as emoções dos filmes com a participação de seu pai. É assim que se sente a beleza dos antigos filmes em preto e branco, cujas qualidades inegáveis ​​são difíceis de alcançar nos dias de hoje. O cinema moderno nos oferece cada vez mais imagens em que a intimidade, a presença do sentimentalismo não cabem na ideia de indústria lucrativa. É por isso que filmes como “Meu Marcello” exigem outra forma de percepção – o amor pelas histórias contadas com ternura, com respeito pelas fragilidades, erros e dúvidas humanas.

Alguns críticos europeus descreveram a aventura de Chiara no filme como uma insinuação drag sem sentido, com um enredo incoerente cheio de nostalgia do passado e a rebelião neurótica de crianças incapazes de igualar o talento de seus pais. Talvez a crítica seja justificada em alguns aspectos, mas é bom ver “Meu Marcello” para perceber: a provação de estar no lugar de outra pessoa vale cada minuto de tela pela chance de desbloquear os sentidos sem se censurar e de contar aos seus. história, mantida em silêncio por anos.

“Meu Marcelo”

Em Noites Brancas (1957), de Luchino Visconti, a vida é uma antecipação sem fim de um amor impossível – uma mulher fica perto de uma ponte e acredita que o encontro prometido acontecerá – todos os dias ela está lá. Em “Meu Marcello”, a ponte já não é uma barreira às expectativas, a ponte é uma transição para uma forma de viver diferente, para a vontade de ir além do familiar.

“My Marcello” é uma viagem surreal além das convenções, um espetáculo poético que explora a ideia da delicada essência do artista.

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