As cordas do coração

Arturo Reis

Publicamos um dos contos da coleção do escritor espanhol, publicada pela “Nedland”, a tradução é de Nikolay Todorov

O notável realista francês Alphonse Daudet teria conhecido o trabalho de seu associado mais jovem, Arturo Reyes (1863–1913), e teria ficado encantado com a excitação do Mediterrâneo e a brisa quente do sul. Porque Reyes, natural de Málaga, é um daqueles contadores de histórias espanhóis que olham o mundo que os rodeia com tanta perspicácia e o recriam com tanta habilidade, mesmo que à primeira vista se detenham em acontecimentos da vida quotidiana que parecem insignificantes. Impulsionado pelos problemas da vida, Reyes começou sua jornada literária ainda estudante, tanto como prosador quanto como poeta. E apesar de sua morte precoce, deixou dezenas de poemas, contos e romances, que hoje lembram colares de pérolas de algum tesouro afundado, embora durante sua vida a fama do autor tenha flutuado entre Madrid e Buenos Aires. Porque poucos conseguiram expressar com tanta habilidade o espírito da Andaluzia, para que, nas palavras do autor, a literatura possa tornar-se “ciência e sensação, tela e estátua, verdade e poesia”.

A coleção “Cordas do Coração” inclui 22 contos. Os heróis são pessoas comuns que vivem em harmonia com a natureza e sua excitação está principalmente relacionada ao amor, ao ciúme e aos feitos heróicos.

A tradução é publicada com o apoio do Ministério da Educação, Cultura e Esportes da Espanha.

As cordas do coração, histórias selecionadas, seleção e tradução do espanhol, Nikolay Todorov, Nedland Publishing House, 2024.

NO TREM

– Boa-tarde cavalheiros.
– Bom dia.
– Meu Deus, que calor! Por que eles não param nem um minuto nas estações? Um verdadeiro pesadelo! Escute, senhora, aquela menininha chorando é sua?
“Isso mesmo, senhor.”
– Ouça, ouça, que voz! Não uma menina, mas uma trombeta de guerra! Querido Deus, como aquele anjo grita! Acabou, meu amor, acabou! Bem, deve ter algum outro sino de prata na garganta! Escute, meu amigo, você é a favor de Rhonda?
– Não, senhor, para Lucena.
– Ah, boa terra, boas velas. O que é certo, é certo, uma vez, desde muito pequeno, por causa de uma vela, fiz um comércio doce com um dos Lucena de Cartagoma.
“Você diz que é por causa de uma vela, certo?”
– Sim senhor. Por causa de uma vela com quatro pavios. Imagine que o dono da pousada tivesse acabado de colocar fogo nela… Ele era de Lucena… E eu, como precisava dela, disse a ele: “Escute, você pode me fazer o favor de me emprestar suas roupas? “.
“E o homem ficou com raiva?”
– Como ele pode não ficar com raiva! Claro que ele ficou bravo, cara! Mais um pouco e talvez tivesse que chamar aquele dos chapéus de três pontas… Já aconteceram coisas assim comigo!… Escute, de onde você é, de Córdoba?
– Não, senhor, de Málaga.
– Sou de Sevilha. E meu maior desejo é um dia ir para Málaga… Mas olha que menininha? Santa Virgem Makarenska, você tem alguma coisa para tapar a boca deste anjinho?
– Não, não tenho mais nada. E você?
– Meu? Vou dar uns nós por dentro para ele calar a boca, porque… porque é como um órgão de igreja!
– E o que é você?
“Isso é o que você vai dizer… Então, meu amigo, você está indo para Rhonda, não é?”
– Não, cara, não, vou para a terra das velas!
– Ah, sim, de fato! Pois bem, venho de Algeciras… Queria ver o que o Ricardo estava fazendo e virou uma tourada só de risada! E não pense que os animais eram ruins. Não, senhor, nada disso, não eram ruins, pelo contrário! Porque o que é certo é certo, os touros foram de primeira qualidade! Mas naquele dia o destino deu as costas para a Bomba… Olha, eu sou daqueles que acreditam que a Bomba não tem touro para pegá-la, a não ser que ele jogue seus chifres nele… Não foi? você está em uma briga?
– Não senhor.
“Bem, você não perdeu nada.” Mas olha, a arena vai explodir um pouco mais! Uma reunião dessas – colorida, estampada por causa de todos aqueles tecidos! E pisoteada, pisoteada, não tem onde cuspir… E algumas mulheres, querida mãe! Ela realmente amava os animais… Nossa, que menininha! Está começando a me deixar nervoso, porque fico nervoso com muita facilidade e não há nada que eu possa fazer… Bom, como eu te disse, havia tantas mulheres na plateia que tive medo de te pegar. Cheguei à primeira fila um minuto antes de tudo começar. Mal estou sentado e bum, as cuadrilles na arena e um pouco gritando, sai o primeiro animal… Amigo, não é um animal, mas mercúrio! Não vou te contar que por um minuto não sobrou nem sombra de toureiro na arena… Como essa criatura com chifres carregava as barreiras!
“Você está obviamente entusiasmado com os touros!”
– Meu? Imagine… eu poderia dar os dentes para olhar para eles! Durante o sono eu adoro eles! Para touros e para panos! Porque, olha, eu acredito que todo homem nasce para um algo. Afinal, nasci para observar touros e lutar com panos. E digo a verdade, nós que vivemos atrás do balcão não somos menos toureiros que o próprio Voiskarin! É como se a loja fosse uma arena… Como não seria? Vou te provar agora mesmo… Preste atenção: cliente mulher não é um animal? E a vitalidade não é o manto? E o que é, senão uma espada, uma fita métrica de alfaiate?
– Pode ser que sim.
– Talvez, como não poderia ser! Se não, veja mais. Imagine que estamos no meu venerável estabelecimento. E aqui entra uma menina pela soleira, em busca do essencial. E então? Eu nem a vi entrar ainda e pensei: “Esse animalzinho é nobre e impetuoso. Você não deveria brincar muito com a capa.” Ou: “Este é astuto e vai me fazer de bobo”. Ou: “Esse é um daqueles que vai entrar na luta no terço final. Não há como brilhar na frente dela.” Ou: “Esta aqui fará tudo do seu jeito, mas ela tem seus truques na manga e vai me pressionar tanto que vai me nocautear.”
“Você nunca está errado?”
– Meu? Eu sou como Voiskara! Depois que fiquei famoso… Olha agora, um dia aconteceu em Osuna, eu estava na loja. Estou sentado na loja com um caixeiro-viajante, muito simpático, o tempo hoje está melhorando muito… Então, estou conversando com ele, quando de repente essa multidão de vocês irrompe pela porta. Colhiam na roça, porque tudo acontece nessa hora, quando a isca é lançada para os pobres. Só os vi posar e já sabia o que procuravam. Digo ao comissário: “Quer ver como funciona a mão de um homem?”. “Com prazer”, ele responde. Eu fico conversando com ele e aí ele se levanta e vai até os animais. Ele os golpeia quatro vezes, como fazem os novatos, e eles ficam completamente fisgados. Estes ceifeiros têm um total de vinte e sete pesetas e noventa e cinco cêntimos, e levam os de Villadiego.
“Simplesmente não vejo qual é o seu papel”, diz-me o caixeiro-viajante.
E eu, que, claro, me contenho até então, olho para ele com um pouco de zombaria, sorrio e digo-lhe:
– Escute você, venha aqui que eu te darei um presente.
“O que você quer, loira?” – Smuglia me pergunta, porque todo mundo lá me conhece como “Ruskokosia”.
“Cara, vem aqui, porque esqueci de te mostrar uma relíquia.”
– Não é o osso de algum santo?
– Não vou te mostrar um osso nessa vida, lindo.
“Então não me mostre nada, porque não tenho mais nada para gastar.”
– Você não vai gastar nada. O que você fará é deixar seus olhos pousarem em algo maravilhoso. Em um prato pouco grosso[1], que acabei de receber e já está vendido. Um pano que é apenas para pessoas selecionadas como você apreciarem.
– Não quero mais calças panna porque têm consequências ruins.
– Só quero que você veja o pano e não pense que vai me dar nem um centavo! Vou mostrar para você de graça, mas de graça mesmo!
E aqui estou eu pegando todas as garotas na forca de novo! E assim que vejo que já estão emaranhados, pulo para trás do balcão e tiro um pedaço de forro cinza, que já estava me preparando para dar aos ratos, porque não há pessoa viva no mundo que possa alcançá-lo .
– Essa é a panna que você diz ser muito boa? – Smuglia me pergunta e agarra o pano com o punho, porque para saber uma panela boa é preciso senti-la bem.
Percebo que ele não gosta da panela e digo:
“Está relacionado a ela.” Quero mostrar a vocês todo o gênero.
– Aí ele tirou uma parente mais próxima, porque eu não gosto dela.
– Eu também vejo isso. Porém, para não ficar tonto, enxágue bem os olhos, pois vou mostrar duas peças que foram reservadas especificamente para você olhar. Mas olhe só para eles, porque eu já os vendi.
Digo isso e entro furtivamente, pego a tesoura e em menos tempo do que ele aguenta, recortei dois pares de calças. Eu voo de volta e coloco-os no balcão, dizendo a ele:
– Agora coloque seu punho nisso. Eles são doces como canela. E só tirei deles dois pedaços, e não há ninguém em Osuna que seja homem de bom gosto e bonito, que tenha calças feitas com tal panela.
– Sim, ela é boa. E você diz que já os vendeu?
– Estou há três dias esperando que eles venham buscá-los. Mas se eu conseguir mais destes, prometo guardar o primeiro para você.
– A questão é que não tenho dinheiro agora. E aí, quando surgir outra peça, não sei se terei…
– Seu rosto vale mais para mim do que qualquer nota.
“Obrigado, só quero atender agora.”
– Como faço para vincular outro trader que é quase tão bom quanto você? Embora o outro me tenha dito que neste e naquele dia o mandariam chamar, na verdade quero dar-lhe prazer. Porque você é um cliente regular e só compra comigo.
– Bom, quando o outro chegar, diga a ele que seu sócio se distraiu e vendeu sem você nem saber.
– Não, o que posso fazer por você quando se trata de vocêé vender para você um dos dois já prontos.
– Mas você sabe muito bem que eu não compro roupa nenhuma se meu filho, que sempre usa a mesma que eu, não tiver experimentado.
– Santíssima Virgem Makarenska, tenha piedade de nós! E você tem um amigo que me transforma mais do que uma doença antiga! Mesmo assim, não quero que você volte para casa desapontado. Ei segichka, vou costurar as peças para que o outro traficante não venha.
“Escute, Loira, não vai ser muito, muito caro, não é?”
– Não tenha medo, cara, porque quando faço algo de bom coração, faço por completo. Você sabe quanto esse tecido nos custa? Esse tecido custa duas pesetas o metro! Isto significa que uma peça acabada custará cerca de seis pesetas! Você acha que vou te dar nove pesetas por uma, já que o mínimo que podemos ganhar são três pesetas por peça?
– Isso é muito caro, cara, não posso gastar tanto dinheiro.
– Cale a boca, carrasco, porque você é o mestre aqui! Não vou cobrar nove pesetas por um par, nem oito, nem sete. Porque o que você comprou de nós já nos trouxe alguns kruliks… vou te tratar como você merece… vou tirar de você… bom, tanto quanto vale para nós! Doze pesetas para os dois… E fuja daqui, corra uma hora antes, para que eu não me arrependa e guarde as calças!
Eles entendem totalmente. Smuglia saiu com sua pana, e eu fico novamente na cabeceira, tiro a boina, e o comissário me diz:
– Ele é mais toureiro do que aquele ao lado da mesquita.
– E ele estava certo.
– Como ele poderia não ter o direito! Olha, uma vez eu estava em Algeciras… Mas, amigo, já não chegamos?
– Rhonda em quinze minutos!
– Rapaz, como é rápido esse carrinho de mão! Bom, o que fazer, meu amigo, outra hora te conto… Deus te abençoe e, você já sabe, Antonio Urdiales em Morón.
Aparentemente consegui conter minha surpresa.
– Até outra hora, eu digo, se Deus quiser.
– Boa sorte e muito, muito obrigado.
– Para que?
Afastei-me abruptamente da janela e fingi não ter ouvido a pergunta daquele sevilhano franco, de fala doce, alegre e encantador.

[1] Pana – veludo grosso.

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