Oligarca
Trecho do thriller político-financeiro do autor anônimo usando o pseudônimo de Elena B. Morozov. A edição é de “Siela”, a tradução – de Valentina Boyadzhieva
A autora, escondida sob o pseudônimo de Elena B. Morozov, entrelaça acontecimentos reais com ficção para pintar um retrato impiedoso do egoísmo e da corrupção que devastou o mundo dos ricos. O thriller financeiro e político “Oligarca” mostra um bom conhecimento dos círculos de poder na Rússia e sua criação.
A trajetória do jovem Grigori Yurdin começa no cemitério de Perm. O menino perdeu o pai e a mãe. O melhor de sua classe e um jogador de xadrez brilhante, ele sentiu com o tempo o vento da mudança em sua terra natal e se encontrou no lugar certo nos estágios iniciais da privatização. Com uma mente perspicaz e combinatória por natureza, Grigory conduz os acontecimentos na direção desejada e os seus sonhos vão muito além das fronteiras russas – à medida que o seu império empresarial se desenvolve, os seus apetites voltam-se para o mundo das finanças internacionais.
Porém, por trás da fachada de um empresário de sucesso se esconde um garoto que busca vingança pessoal. Voando entre Londres, Paris e Nova York, Grigory não sente que em breve o buraco negro no centro de Moscou o atrairá com força de volta ao ponto de partida. Porque todo mundo tem dívidas para pagar. Até mesmo um oligarca todo-poderoso.
“Oligarca”, Elena Morozov, traduzido por Valentina Boyadzhieva, artista da capa Zhivko Petrov, editora “Siela”, 2024.
VI.
Permanente. Perm Cable Plant, quinta-feira, 30 de julho de 1992.
Sentado na sala de espera de Anatoli Smirnov, Grigori respirou fundo com os olhos fechados. Ele estava concentrado como antes de um torneio de xadrez. Ele podia ouvir os ruídos externos abafados. A cada expiração ele sentia seu peito se expandir. Para não ouvir a insistente sirene de um carro da polícia, concentrou sua atenção no trajeto de uma minúscula bolha de ar que inflaria seus alvéolos. 300 milhões de alvéolos por pulmão, em dois pulmões isso aumentou a área total entre 55 ar e sangue em um alvéolo, ou 0,125 mm2. Sua mente estava calculando a uma velocidade vertiginosa. 75 m2 de área se o conjunto fosse desdobrado. O escritório de Smirnov, suas duas secretárias e a própria sala de espera poderiam estar lotados deles. Num instante, sua mente passou dos próprios pulmões para os de Lemonov e para o câncer que os estava corroendo. Ele abriu os olhos e pegou seu caderno. Nele ele anotou seus esboços em estilo telegráfico. Cada palavra contaria. Ele teve que atrair e prender a atenção do engenheiro-chefe da fábrica. E não o deixe mais ir. Um início dinâmico e determinado como o que havia feito em um torneio três meses antes. Uma versão moscovita de uma defesa siciliana, ou seria uma versão ala Ragozin?
A um sinal de Natasha Yosipova, a secretária de cabelo loiro platinado, entrou no escritório do grande homem.
Ele esperou que o homem levantasse os olhos dos documentos e fizesse sinal para que ele se sentasse.
– Jurdin, já faz quase um mês que você trabalhou para nós. Está tudo bem no Departamento de Comércio? Você gosta de lá?
– Bastante. Lemonov e a equipe me receberam calorosamente. Lamento que ele nos deixe em breve.
Os olhos escuros de Smirnov, que pareciam encolhidos sob as pálpebras grossas, fitaram-no.
Grigori apoiou os ombros no encosto da cadeira. Ele podia sentir o toque da madeira dura. O silêncio parecia interminável para ele e nem dez segundos se passaram.
– Lemonov me confiou a tarefa de fazer as programações semanais. Eu sei que eles são para você, mas eu mesmo queria trazer o último para você.
Smirnov não se mexeu enquanto o jovem colocava as duas folhas sobre a mesa.
– O alumínio enviado para casamento esta semana também representa mais de 20% de toda a quantidade que encomendamos da fábrica de Kamensk-Uralsky. Eu me perguntei como Lemonov pôde tolerar tal descuido por parte de nossos fornecedores. Nunca negociamos o preço. Nunca procuramos outro fornecedor, embora a situação tenha se deteriorado continuamente durante três anos. No entanto, descobri mais tarde que esse alumínio não está perdido para todos.
O rosto de Smirnov estava inexpressivo, mas ele manteve os olhos fixos no jovem.
Grigori conjurou a imagem da pequena bolha de ar em sua mente para continuar, sem deixar que aquele olhar o perturbasse.
– Se meus cálculos estiverem corretos, nos últimos três anos você deveria ter ganhado alguns milhões, dos quais, claro, o pagamento ao diretor da “Kamensk-Uralsky”, ao pessoal do Departamento Comercial da nossa fábrica, e aos vários intermediários. O esquema é bastante simples: parte do alumínio pago pela usina nunca chega porque é desviado e revendido a terceiros. A contabilidade do Departamento de Comércio registra essas perdas na coluna “casamento”. O caos habitual é tal que ninguém faz perguntas e muito menos ousará quando este departamento estiver sob seu controle direto. Foi por isso que você me mandou para Targovskii. O melhor aluno do seu curso para substituir o seu confidente que já está com um pé na cova. Serei mais útil para você do que no departamento de desenvolvimento. Você poderá conduzi-la assim por um tempo. No entanto, o mercado mineral na Rússia e no estrangeiro está a tornar-se difícil e complexo. O preço do alumínio duplicou desde que as empresas russas não foram forçadas a vender apenas no mercado interno. Não tenho dúvidas de que suas conexões internacionais estão à altura. Mas posso lhe oferecer algo melhor.
Smirnov permaneceu impassível.
“Meu jovem amigo, muitos acabaram no Gulag por muito menos do que isso. Sua arrogância excessivamente confiante será sua ruína.
– A fábrica será privatizada. E temos que comprá-lo.
A sombra de um sorriso cruzou o rosto de Smirnov.
Depois de hesitar muito, Natasha Yosipova abriu a porta do escritório. Ela conhecia os hábitos de seu chefe e sabia que ele não gostava de ser incomodado. Mas ele ficou trancado lá dentro com o jovem do Departamento de Comércio por mais de duas horas. Ele não atendeu o interfone e estavam esperando por ele para duas reuniões. E agora o próprio diretor da fábrica queria vê-lo. Ao entrar na sala, Natasha Yosipova sentiu vontade de tossir, como se os dois homens estivessem fumando sem parar.
– Anatoli Semyonovich, tenho muita vergonha de interrompê-lo, mas o diretor…
– Querida, não estou lá para ninguém. Diga o que vier à sua mente. Não quero ser incomodado, amor.
Natasha Yosipova recuou, abalada tanto pela ordem rude quanto pela cena que presenciou. Com as mangas arregaçadas e giz na mão, Yurdin escrevia no quadro-negro, cujo uso Smirnov guardava para si. Ele, por outro lado, ainda sentado na cadeira de diretor, nem tinha virado a cabeça quando ela entrou.
Durante as últimas duas horas, Grigori expôs metodicamente o projeto que estava fermentando em sua cabeça desde uma noite de junho. As violações em Targovskii e a provável participação de Smirnov nelas ofereceram-lhe a chave da operação. Se conseguisse convencer o engenheiro-chefe, eles tinham tudo para ter sucesso: informações em primeira mão que ninguém na região ainda conhecia, uma ideia perfeita dos esquemas construídos e acesso aos fundos necessários. Não apenas o esquema de desvio de alumínio, mas também a autoridade de Smirnov junto aos banqueiros.
– Precisamos marcar uma reunião com o Sberbank. É a única instituição financeira confiável porque une todas as caixas econômicas do país. Eu sei que você é próximo do diretor regional dela.
Smirnov rapidamente acenou com a cabeça afirmativamente.
– Precisaremos do dinheiro dela para comprar os vouchers de privatização. Como você pode imaginar, a grande incógnita da operação – comprar os famigerados recibos, será sua preocupação.
– Acredito na nossa campanha de porta em porta. Estou planejando encontrar vinte caras para cobrir a região. Não será difícil com a atual falta de trabalho. Somente jovens desta zona e sem muito barulho. Estou pensando nos meus dois ex-colegas do Instituto Politécnico – Oleg Leto e Maxim Kazmanov. Nossa equipe irá retirar os vouchers pela metade do preço. As pessoas não têm nada e têm tanto medo da inflação que ficarão felizes em se livrar dela. E para os inflexíveis, organizaremos reuniões públicas. Assim que se souber da privatização da fábrica, sem dúvida no outono, você anunciará que é candidato a comprá-la para salvar empregos em Perm. Se alguém pode colocar a Perm Cable Plant de volta em pé, é você!
“Você é um grande adulador, meu jovem amigo”, disse Smirnov ironicamente.
– Eu sou clarividente. Hoje ninguém sabe em quem confiar. E você cuida da planta há quase trinta anos. E você é um dos luminares científicos do país. Eu organizarei as reuniões. E você pode enfatizar a fala no início para descrever o projeto que estamos pensando. A seguir explicarei que os trabalhadores da Usina de Cabos de Perm, suas famílias, seus amigos e todos que acreditam no futuro de nossa maravilhosa região podem investir seus vales de privatização em um fundo que criaremos para esse fim: “Cooperativa de Trabalhadores de Perm “. Com este nome, nosso povo não ficará muito confuso. O fundo poderá deter até 30% do capital da usina, mas não terá direito a voto.
“Você realmente pensou em tudo…”
– Teremos que trabalhar também na avaliação do patrimônio dele.
O olhar do engenheiro-chefe tornou-se questionador. Smirnov tinha um domínio perfeito da física dos metais, mas, ao contrário de Yurdin, nunca se interessou por finanças. Até este momento.
Gregory continuou pacientemente:
– Sim, teremos que desvalorizar a planta para conseguir o menor preço possível. Seu desempenho recente tem sido ruim, mas precisa piorar ainda mais para que seu preço despenque.
– Um resgate estranho, segundo o qual devemos primeiro estragar o que vamos comprar.
– Digamos apenas que essa é a minha definição de destruição criativa.
Jurdin colocou o giz no quadro-negro e ajustou as mangas, que já havia arregaçado.
“Você sem dúvida precisará de alguns dias para pensar sobre isso.” Mas acho que esta é uma oportunidade única. Do tipo que aparece uma vez a cada cem anos, e nem sempre.
Smirnov assentiu.
– De qualquer forma, Yurdin, você é muito persuasivo.
Grigori pegou o casaco e dirigiu-se para a porta.
“Vou deixar isso com você antes que a secretária realmente desmaie.”
– Uma última coisa. Não falamos sobre o que você espera pessoalmente do projeto.
Gregory não estava nem um pouco preocupado. Diante dele não estava mais o formidável professor que transmitia seus conhecimentos aos respeitosos alunos do Instituto Politécnico, mas o engenheiro-chefe Smirnov, elo necessário em sua estratégia de conquista, a quem trataria como igual.
– Eu serei seu parceiro. Com 50/50, claro.
Ao sair do escritório, o velho Smirnov apagou o último cigarro no cinzeiro de granito.
– Estou feliz por não ter mentido sobre você, Grigory.
Foi a primeira vez que ela o chamou pelo primeiro nome.
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